Córtex, sistema de vigilância do governo, é questionado em ofício ao MPF
O sistema de informação e inteligência Córtex, usado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), foi alvo de um ofício enviado ao Ministério Público Federal (MPF). No documento, ONGs de direito digital e privacidade, como o Artigo 19 e o Data Privacy BR, questionam os parâmetros legais para o uso da ferramenta, alegando “alto risco de privacidade”. Em portaria, governo diz que o Córtex é usado durante operações policiais.
Em portaria publicada em setembro de 2021 para regulamentar o uso e as funcionalidades do Córtex, o MJSP o define como uma ferramenta aplicada “exclusivamente para fins de segurança pública”, vendando o uso do sistema de inteligência por empresas privadas ou em processos de integração destas com companhias públicas.
Entretanto, não é proibido o uso de informações coletadas de empresas privadas pela ferramenta Córtex, sob a condição de que sejam atendidos os “pressupostos da legislação vigente”.
ONGs citam “elevado risco à privacidade” ao MPF
A falta de transparência no uso do sistema pela Siope — Secretaria de Operações Integradas — fez com que as ONGs Conectas, Data Privacy BR, Artigo 19 e Transparência Internacional — todas advogam pelos direitos digitais e privacidade na internet — entrassem com um pedido para que o MPF exija do MJSP qual a finalidade do tratamento e quais os dados usados pelo Córtex. A informação inicial é do portal Metrópoles.
O Tecnoblog teve acesso ao ofício. Segundo as ONGs, o sistema já reúne informações oriundas de mais de 160 bases de dados distintas. O Córtex, por isso, possui “capacidade de definição de alvos para cercamento eletrônico e monitoramento persistente, retendo os dados por um período de 10 anos”.
As associações citam “elevado risco à privacidade, intimidade e probidade administrativa” devido ao uso do Córtex, e pedem que o MPF abra um inquérito civil para investigar a ferramenta do Ministério da Justiça a fundo.
Rafael Zanatta, diretor do Data Privacy BR, que é uma das signatárias, afirma que o modo como o Córtex está operando atualmente pode ser considerado “extremamente problemático”. O pesquisador levanta uma série de dúvidas quanto ao método usado pelo governo para empregar a ferramenta de monitoramento:
“Existe uma ausência de procedimentos e uma série de dúvidas sobre a garantia de como isso [Córtex] está sendo utilizado de forma correta. Não se sabe quais são as razões que podem levar um cidadão a ser alvo do “cercamento eletrônico”. Se esse é um pacto social sobre a utilização correta de uma tecnologia para a inteligência e Segurança Pública, é importante que isso seja feito com um mínimo de transparência e debate público.”
Córtex vigia mais de 360 mil brasileiros, diz MJSP
Conforme reportagem dos sites The Intecept Brasil e da revista Crusoé, o Córtex tem acesso a informações do Rais — Relação Anual de Informações Sociais — base do Ministério da Economia que contém dados como salário de trabalhadores. Outra base que integra o sistema de monitoramento é a de CPFs cadastrados na Receita Federal.
Apesar de o número detalhado de brasileiros monitorados pelo Córtex ser solicitado pelas ONGs como uma exigência do MPF na abertura de inquérito, o MJSP contou em resposta à reportagem da Crusoé que mais de 360 mil pessoas por todo o território nacional são vigiadas, ou estão sob “cerceamento eletrônico”.
Outra preocupação dos signatários é com a Seopi. De acordo com eles, a secretaria do Ministério da Justiça já foi responsável pela produção de “dossiês antifascistas”, que juntaram professores, jornalista e policiais apoiadores do movimento Antifa, e pela contratação de um sistema de espionagem.
“A Seopi não possui estrutura de pessoal com a qualificação ou prerrogativas funcionais suficientes para garantir que o sistema Córtex seja utilizado como ferramenta de Estado”, descreve o ofício.
Essa alegação é reforçada pelos institutos com o argumento de que a maioria dos membros da Seopi são servidores em cargos em comissões, “cuja exoneração e nomeação podem ocorrer sem qualquer justificativa”.
Por fim, o ofício pede que o MPF solicite ao MJSP o código-fonte do Córtex, assim como os logs de acesso e de utilização do sistema registrados ao longo de 2021. As ONGs também querem saber se existem “pessoas politicamente expostas” sendo monitoradas pela ferramenta.
joao.marcelo@guiadocftv.com.br
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